Diante desse crime contra a saúde pública, o Fantástico foi investigar: o que os supermercados fazem com os produtos vencidos? E qual o perigo de consumir um alimento desses?
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O Fantástico faz uma denúncia que interessa a toda a família: a venda de alimentos vencidos. Nossas equipes acompanharam esta semana, em todo o Brasil, várias blitz da Vigilância Sanitária. Os resultados foram muito preocupantes.
Leite, refrigerante, maionese, iogurte: tudo com validade vencida. Algumas, há mais de um ano. Mesmo assim, os produtos são vendidos em um sítio em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
“Não pode vender nada disso. Agora, se a pessoa quer comprar, eu tenho a mercadoria. A pessoa é maior, nós fazemos negócio”, diz o vendedor.
Noé Inácio dos Santos revela, tranquilamente, como ganha dinheiro: “nós trabalhamos com a rede de mercado. Nós trazemos toda a mercadoria que vence”. Ele mostra uma linguiça que custa R$ 8 no açougue. Ele diz que vende por R$ 5.
Diante desse crime contra a saúde pública, o Fantástico foi investigar: o que os supermercados fazem com os produtos vencidos? E qual o perigo de consumir um alimento desses?
Na quinta e sexta-feira da semana passada, a polícia e a Vigilância Sanitária fazem blitz em cinco capitais. Em Goiânia, os agentes encheram um carrinho com produtos vencidos no supermercado Supersid. Havia até formigas entre os doces.
Segundo a direção, o supermercado está se organizado para corrigir a falha.
Na periferia de Salvador, a Vigilância Sanitária foi ao Mercadinho Andrade e encontrou azeite de dendê sem data de validade, sal grosso vencido há nada menos que oito meses e uma variedade de outros produtos irregulares. “Esse tempero venceu em março. Tem que ser retirado de circulação”, declara Fernando de Oliveira, da Vigilância Sanitária da Bahia.
No meio da comida vencida, tinha até barata. “Não sabia que tinha produto vencido. Nós estamos tentando resolver, melhorando tudo, para não acontecer isso”, afirma Valmir Santos, gerente do Mercadinho Andrade.
Em São Paulo, policiais estiveram em um açougue na Zona Leste e em dois supermercados: um no Centro e outro na Zona Oeste. Todos os alimentos apreendidos pela policia de São Paulo, como carnes, pães e massas, são impróprios para o consumo e poderiam estar nas nossas casas.
“Nós temos aqui preparados sem qualquer tipo de identificação. Estando vencido, estando expostos à venda, pelo Código de Defesa do Consumidor, esse produto é considerado impróprio para o consumo”, afirma o delegado Anderson Jean Paoli.
Os dois supermercados da capital paulista, o Futurama e o Walmart, disseram que as descobertas de produtos vencidos são fatos isolados. Já o advogado do açougue Super Boi, Antonio Carlos Ayres, alegou que os alimentos não seriam vendidos. “Quando os produtos estão vencidos o que é feito? É retirado do local de venda e guardado em um setor da câmara fria”, declara o advogado.
Segundo a Associação Brasileira dos Supermercados, existe um destino correto para a comida vencida.
“Esse produto é devolvido ao fornecedor, e o fornecedor é que vai providenciar o descarte desse produto. Se um consumidor, por acaso, já tiver comprado esse produto, ele tem que ter a restituição imediata do valor ou a troca imediata desse produto”, afirma Sussumu Honda, presidente da Associação Brasileira de Supermercados.
Para os pequenos comerciantes, também há regras quanto aos produtos vencidos. “Eles têm que ser inutilizados, furados, dispensados o seu líquido, o seu conteúdo, para depois colocar na caçamba para a coleta pública”, explica Silvia Gomes, do Departamento de Vigilância em Saúde de Mogi das Cruzes.
Mas, então, como o homem que mostramos no início da reportagem, consegue os produtos fora do prazo? Noé Inácio dos Santos alega que tem permissão de alguns supermercados da região de Mogi das Cruzes para retirar os alimentos, mas ele próprio assume que não pode revendê-los.
Noé Inácio das Cruzes - Nós temos um contrato com eles.
Jornalista - Eles fazem doação?
Noé Inácio das Cruzes - Também não pode fazer doação. Nós tiramos como limpeza.
Jornalista - Reciclagem?
Noé Inácio das Cruzes - Nós tiramos como lixo.
Com uma câmera escondida, os produtores Ylana Siqueira e Endrigo Michel, da TV Diário, afiliada da Rede Globo, foram duas vezes ao sítio: uma no dia 18 de agosto; e outra, no dia 24.
O vendedor não mostra preocupação com a saúde das pessoas.
Jornalista - Mas não faz mal?
Noé Inácio das Cruzes - De jeito nenhum. Eu trabalho 10 anos com isso aqui.
E olha o que ele diz sobre quem compra iogurte vencido, um produto que estraga rapidamente. “A pessoa vem e compra 10 cartelas. É barato. Chega lá, deixa dentro de casa, o moleque toma. O negócio dá disenteria. Não é que fez mal. É o excesso”.
Por R$ 10, nós compramos alguns produtos fora da validade. A maionese deveria ter sido consumida há 11 meses.
Noé Inácio dos Santos diz que faz pequenos e grandes negócios. “Eu tinha mil quilos de trigo aqui. Compraram tudo, pagaram tudo na hora”, revela o vendedor.
Entre os compradores, diz ele, há donos de bares e restaurantes da Grande São Paulo. “Tem pessoas de Mogi, vem de Itaquá, até de São Paulo, Franco da Rocha. As pessoas são desonestas. Eu mesmo quase não como mais em restaurante”, diz.
Na sexta-feira, voltamos ao sítio com a Vigilância Sanitária. Um funcionário não permitiu a entrada.
No sítio, há criação de porcos, e o dono já foi multado nove vezes por falta de higiene.
Procuramos os supermercados onde Noé Inácio dos Santos diz pegar os alimentos vencidos. A rede Semar afirma que ele não tem permissão para isso e que a retirada dos produtos impróprios para o consumo é feita por empresas especializadas.
Os supermercados Máster e Docelar dizem que os produtos deteriorados são retirados por uma empresa para incineração e que eventuais desvios por terceiros não são responsabilidade deles. A polícia diz que vai investigar.
Na sexta-feira, bares e restaurantes de Manaus e do Rio de Janeiro foram fiscalizados. No Amazonas, os agentes encontraram hambúrguer vencido no estabelecimento chamado Lanche do Mário. A gerente alegou que o produto não seria utilizado.
No Rio, policiais estiveram na praça de alimentação de um shopping da Zona Oeste. Encontraram irregularidades em cinco locais. No Burguer King, o queijo estava vencido havia quatro dias. A empresa informou que foi um fato isolado e que foram tomadas medidas corretivas imediatamente.
No restaurante Oriento, o frango estava fora do prazo havia mais de um mês. Segundo o gerente, a equipe responsável foi afastada.
No Benkei, o problema era camuflado, diz a polícia. “Quando vai vencendo a validade dos produtos. Eles utilizam isso aqui para remarcar”, mostra um dos agentes.
A direção do restaurante disse que segue rigorosamente a orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária quanto à rotulagem e etiquetagem dos alimentos.
Na cantina Buonasera, também foram encontrados alimentos vencidos e falta de higiene. A cantina está fechada. O dono não foi localizado para comentar o problema.
“A certeza que nós temos é indiciar os representantes, com a pena de prisão de 2 a 5 anos de detenção”, afirma o delegado Carlos Augusto Nogueira.
O shopping informou que orienta os restaurantes sobre os procedimentos exigidos pelas autoridades.
Mas como proteger sua família contra os perigos da comida vencida? Ir às compras, sem afobação: essa é a principal dica de quem entende do assunto.
“O consumidor tem que aprender a ler o que o fabricante está informando, evitar comprar muito perto dos vencimentos”, diz Evanise Segala, da Vigilância Sanitária de São Paulo.
É preciso bastante cuidado quando o preço estiver muito abaixo do normal. “Se você vai consumir o produto em liquidação no prazo de validade dele, compre. Se não, não faça isso. Muitas vezes, o barato pode sair caro”, explica Evanise Segala.
Para certos alimentos, o cuidado deve ser redobrado. Quanto menor o prazo de validade, mais atenção é preciso ter.
“Aqueles que, em geral, têm uma grande quantidade de nutrientes e a água, aqueles que envolvem leite, ovos, gordura em uma concentração elevada se contaminam mais facilmente”, aponta Glaucia Pastore, da Faculdade de Alimentos da Unicamp.
Não respeitar os prazos de validade pode trazer conseqüência. Vômito, diarreia e desidratação são as mais comuns.
“Se nós estamos falando de crianças e de idosos, isso é muito mais sério do que o jovem ou a pessoa de meia idade. Então, realmente o prazo de validade não é uma coisa banal. Ele é muito sério”, declara Glaucia Pastore.
“É nossa obrigação. O mínimo que a gente tem que fazer é olhar o prazo de validade. Ninguém merece comprar produto vencido”, diz a aposentada Leda Rossi.